segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Ser ou não Ser Maluco

                 SER OU NÃO SER MALUCO
     Há algo no homem que ultrapassa o próprio homem. É a morte. Não a morte biológica, que podemos resolver elaborando-a com ilusões bem arquitetadas e sistematizadas em crenças imaginárias. Se a abelha necessita do pólen, bebemos champanhe e nos alimentamos com os aromas de iguarias e especiarias por razões diferentes do animal com seu outro. A abelha não tempera a flor nem “harmoniza” seu instinto com um vinho francês. Não nos movemos por instintos, mas por desejos. E nosso desejo ultrapassa a natureza, saltando além de necessidades por proteína ou carboidrato. Minha biologia é superada por meu corpo simbólico cuja digestão não obedece as leis da floresta virgem. A selva que habitamos transgride o ecosistema. Não há biologia no desejo. O prazer humano não é natureza, é contranatureza, ou natureza ultrapassada; a vaca não tempera seu pasto com azeite extra-virgem. Um quadro de Michelangelo, ou de Leonardo, “mata” o natural em sua fonte e funda uma outra linguagem disjunta, humana, num além que ultrapassa, perverte e nega as leis do ser com o ser. Os nossos objetos não são inatos e entre o ser do homem e o mundo externo há uma inadequação intransponível: vivemos articulados ao ser com falta. Um leão não mata uma gazela por uma questão política. Entre os humanos é o jogo da linguagem política que leva ao assassinato, até mesmo ao genocídio. O desejo de lucro, simbólico ou imaginário, leva ao crime. Destruimos a fauna e a flora convencidos que estamos de que tal gesto visa um Bem. Quando olhamos para o nosso outro de imediato vemos um inimigo: desconfiamos. Tal paranóia nos estrutura e nos protege. Resta saber de quem ou de que. “Amar ao próximo como a ti mesmo” é uma proposição falaciosa pelo simples fato de que não estou seguro quanto ao que “eu mesmo” desejo. Destituidos de um saber sem dúvidas, torna-mo-nos psicóticos. O esquizofrênico “sabe” que é ameaçado e sua certeza hiperbólica faz dele um delirante. Só não sou maluco porque duvido de minha certeza quanto ao mal do mundo, mas quando duvido de minha certeza quanto ao mal do mundo me sinto desprotegido em relação ao mal do mundo que pode me fazer muito mal. Será que estou ficando maluco?
     Em Dubai enxertaram uma cidade no deserto com campos de gelo artificial para patinação e isto é assassinato. Comprova-se a ficção humana onde o não-lugar real metamorfoseia-se num lugar e uma ausência fundamental é mimetizada por um um símbolo patético, presente. Ao morrer para a natureza o homem se mascara para fingir que existe uma presença metafórica avassaladora matando a coisa desértica. Grave ilusão. O deserto oculto continua discursando travestido pela cidade. E sua loquacidade invisível o torna mais forte do que antes de ser solapado por mãos humanas. Seu espectro nos ronda, seus sinais fazem efeitos no real e as cidades mentem. O Ser da cidade é fake; seu veneno é velado. A polis se quer uma estrada principal mas não nescessitamos de nenhum olhar mais aguçado para percebermos que ela não leva a nada, a lugar nenhum. A cidade se diz vencedora sem saber, ignorante que é, sobre o quão bonito é jogar um jogo correndo o risco de perder. Uma vitória histórica, total, sempre será uma derrota avassaladora. A urbanização obedece a leis teológicas amparadas por rezas e orações canhestras; nenhuma igreja, sinagoga ou mesquita, pode calar o mantra do não-ser, do invisível, do lá-embaixo.
     A microcefalia humana ainda não percebeu que uma árvore jamais pertencerá a um jardim; ela será sempre árvore da floresta e do deserto. É na selva, onde não há política, que vive a verdadeira vida. É no perigo que percebemos: há vida. Os patinadores de Dubai se sentem seguros! Pobres esquiadores de montanhas geladas, sem inverno ou verão! Não há riscos em Dubai. Na jungle real sõ há picadas a serem feitas e descobertas a realizar, enquanto na cidade tudo é mapeado e pronto. Nada mais melancólico do que um mapa turístico ou uma rua sinalizada.
     O que há de mais bonito numa urbe são as graminhas que nascem por entre os paralelepípedos. 

  




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